BREVE HISTÓRICO DA CÂMARA MUNICIPAL DE NOVA FRIBURGO
Por Prof. Ricardo da Gama Rosa Costa1
No ano de 1818, dez anos após a transferência da Família Real Portuguesa para o Brasil, D. João VI doou sesmarias e promoveu a vinda de estrangeiros, talvez como forma de preparar o possível fim da escravidão, tão desejado pela Inglaterra, potência industrial em acelerado desenvolvimento. Suíços, então, se estabeleceram na Fazendo do Morro Queimado, dedicando-se à agricultura de subsistência, após enfrentar imensas dificuldades, tanto em virtude da desgastante viagem (na qual morreu 20% do total de pessoas embarcadas), quanto devido à total falta de estrutura para receber os imigrantes. Cerca de 1600 colonos foram amontoados em 100 casas, pois da Suíça partiram 261 famílias, quando haviam sido, originalmente, contratadas em número de cem. Em 17 de abril de 1820, foi criada a Vila de São João Batista de Nova Friburgo e, com isso, instalou-se a Câmara Municipal.
Na segunda metade do século XIX, o café passou a ser o principal produto de exportação brasileiro, desenvolvendo a Região do Paraíba Oriental, na qual destacava-se o Município de Cantagalo. Nova Friburgo tornou-se o principal produtor de alimentos da região. Em 1880, com a criação da Estrada de Ferro de Cantagalo, passava a intermediar o café oriundo de Cantagalo em direção ao porto do Rio de Janeiro e os produtos da Capital rumo à região do Paraíba Oriental.
Com o advento da República, veio a transformação da Vila de São João Batista de Nova Friburgo em município e o seu desmembramento de Cantagalo, numa medida que fazia parte da estratégia de Deodoro da Fonseca para a consolidação de seu poder político nos Estados. Esta mudança política não representou uma ruptura no quadro político local, que continuou hegemonizado pelos setores conservadores ligados à grande propriedade cafeeira, com destaque para os coronéis Galiano das Neves (pai e filho) e o médico Ernesto Brasílio, os quais ocuparam a presidência da Câmara Municipal e, por extensão, o governo da cidade, de 1890 a 1910, quando então surgiu o movimento de oposição encabeçado por Galdino do Valle Filho.
Galdino, médico1, tornou-se o porta-voz de um projeto modernizador e progressista que pregava a grande transformação da cidade, capaz de elevá-la ao plano da “civilização ocidental” (cujo modelo era a Europa), através da instalação de indústrias em Nova Friburgo. Para tanto, liderou, por meio de seu jornal A Paz, fundado em 1906, campanha em prol da entrega da concessão para a exploração de energia elétrica no município ao empresário alemão Julius Arp, condição exigida por este para instalar a Fábrica de Rendas em Friburgo. Travou-se uma verdadeira guerra na cidade, com manifestações públicas que redundaram na “Noite do Quebra-Lampiões” e em “quebra-quebra” na Câmara Municipal, a 17 de maio de 1911. O Legislativo Municipal era contrário às pretensões de Galdino, pois a concessão da energia elétrica, de sua competência, havia sido dada, em 1906, ao Coronel Antônio Fernandes da Costa, ligado à facção política dominante. Além disso, a Câmara era presidida pelo Coronel Galiano Emílio das Neves Júnior, representante do grupo dos fazendeiros do café, contra o qual lutava Galdino. Ao negar a concessão da energia elétrica ao Grupo Arp, a Câmara provocou o descontentamento de parte da população, já ganha pela perspectiva de desenvolvimento e de novos empregos que a indústria daria à cidade. Os velhos lampiões da iluminação pública foram quebrados e, em seguida, o prédio do Legislativo foi apedrejado e invadido por uma multidão de quinhentas pessoas.
A estratégia de Galdino terminou por se fazer vitoriosa, com a Câmara, pressionada pela ação popular, sendo obrigada a rever a antiga concessão e a passá-la aos alemães. Logo, durante as décadas de 10 e 20, Friburgo via instaladas as primeiras fábricas têxteis (Fábrica de Rendas Arp - MARKEIS SINJEN & CIA. - 1911; Fábrica Ypu - MAXIMILIAN FALCK & CIA. - 1912; Fábrica Filó S/A - principais acionistas: Gustav Siems e seu filho, Ernst Otto Siems - 1925) e outras, além da criação da Companhia de
Eletricidade, com capital privado do grupo Arp, o qual, por sinal, teria ações em todas essas fábricas, constituindo-se no principal representante dos capitais alemães em Friburgo1.
Galdino do Valle Filho chegava à frente do poder municipal no ano de 1913, sendo eleito presidente da Câmara de Vereadores, cargo que acumulava também as funções do prefeito. Higiene e saúde pública foram um capítulo especial de seu governo, no ataque às doenças infecciosas, como o tifo, a tuberculose e o alastrim, enfrentando o problema das águas, preservando a zona da represa de abastecimento e adotando campanha de vacinação, além de isolamento dos doentes em prédio próprio (o Lazareto). Foi criado ainda o Serviço de Obras, que reconstruiu o leito das ruas e criou novos jardins públicos. O grupo de Galdino, nesta hora, buscou consolidar-se como dominante e iria representar, daí por diante, em primeiro lugar, os interesses dos empresários donos das indústrias, ao capitanear todo um projeto de construção de cidade nos moldes modernizantes da época, contribuindo sobremaneira para a afirmação de uma mentalidade liberal e dando ênfase ao progresso econômico trazido pelas indústrias.
Além de, por várias outras vezes, Galdino assumir a presidência da Câmara Municipal, foi eleito deputado estadual e federal e prefeito, após a criação deste cargo em 1916 e o estabelecimento de eleições para o mesmo em 1922. A nível das articulações políticas estaduais, desde 1914 Galdino situava-se na oposição a Nilo Peçanha, líder político que exerceu a hegemonia do poder no Estado do Rio de Janeiro dos primeiros anos deste século até 1923. Dentre os vários momentos do conflito entre Galdino do Valle Filho e o grupo nilista, destacou-se o instante da criação de novas prefeituras no Estado, em 1916, com a clara intenção de esvaziar as funções administrativas das câmaras municipais em que houvesse o domínio de grupos não submetidos ao controle do nilismo, como era o caso de Nova Friburgo2. Deste ano até 1922, quando foram conquistadas as eleições diretas para o cargo de prefeito, o Executivo municipal ficou em mãos de Sílvio de Fontoura Rangel, deputado estadual com base eleitoral no município de Vassouras, nomeado interventor em Friburgo por Nilo Peçanha. Galdino passou, então, a liderar campanha pela autonomia municipal, através de eleições diretas para o cargo de prefeito3.
Conquistadas as eleições para o Executivo municipal no ano de 1922, Galdino se elegeu prefeito. Neste mesmo ano era também eleito para o cargo de deputado federal. Desta data até a Revolução de 1930, o grupo de Galdino do Valle Filho comandou o poder político em Nova Friburgo, representando, em primeiro lugar, os interesses dos grandes empresários e comerciantes locais, que, desde 1917, estavam organizados na Associação Comercial de Nova Friburgo e influíam nas decisões tomadas pela Prefeitura. O posicionamento do grupo de Galdino ficava explícito em vários artigos publicados no jornal A Paz, porta-voz da corrente liberal, quando, via de regra, assumia a defesa dos empresários, por ocasião de movimentos de luta contra os baixos salários ou por melhores condições de trabalho, organizados pelos operários das fábricas.
Por ocasião da Revolução de 1930, a exemplo do que ocorria em São Paulo, onde os grandes grupos industriais posicionaram-se ao lado do Presidente Washington Luís, Galdino arregimentou forças em defesa do Governo Federal junto às fábricas em Friburgo, cujos donos recrutaram os trabalhadores para a luta, segundo depoimento do então operário José Pereira da Costa Filho, o Costinha, da Fábrica de Rendas Arp. Assim, o grupo galdinista acabou selando sua própria queda. Vários interventores foram nomeados em diversos municípios fluminenses e, em Nova Friburgo, assumiu uma Junta Governativa nomeada pelo Capitão Luís Braga Muri, à frente o Dr. Galiano das Neves e Carlos Alberto Braune, destituindo o grupo identificado com a liderança de Galdino Filho, que só voltaria a ocupar o poder municipal nos anos 40, ao fim do Estado Novo.
Entre 1937 e 1947, com a vigência da ditadura durante o Estado Novo, a Câmara Municipal ficou impedida de exercer suas funções. Somente com o fim da II Guerra Mundial e iniciado o processo de redemocratização do país, há o retorno às atividades legislativas.
De lá para cá, a Câmara serviu de palco e, mesmo, como caixa de ressonância, através da atuação de seus Vereadores, para os acontecimentos candentes por que passou o País. A Câmara Municipal de Nova Friburgo vivenciou os embates acalorados entre dois grandes grupos políticos. De um lado, os representantes locais da UDN (União Democrática Nacional), invariavelmente identificavam-se com o grande empresariado, pretendendo dar continuidade ao projeto político liberal de Galdino do Valle Filho. De outro lado, os membros do PSD (Partido Social Democrático), associados ao pequeno e médio empresariado e com um discurso mais trabalhista que o próprio PTB do município, seguiam o exemplo nacional de Getúlio Vargas e as lideranças locais de Dante Laginestra, nomeado interventor durante o Estado Novo, e do médico carismático Amâncio Mário de Azevedo.
Mas a Câmara Municipal também serviu de caixa de ressonância ao protesto solitário do advogado comunista Benigno Fernandes, representante dos sindicatos operários e eleito vereador em 1947, contra a cassação do registro do Partido Comunista do Brasil e o rompimento das relações diplomáticas do Brasil com a URSS, durante o governo do General Eurico Gaspar Dutra. E viu Nova Friburgo transformar-se, nos anos 40, de um município cuja população até então concentrava-se nos distritos rurais, em uma cidade eminentemente circunscrita à sua zona urbana, graças ao atrativo representado pelas fábricas. O êxodo rural atingiu duramente a agricultura, ainda uma das principais atividades econômicas do município. Esta tendência manteve-se de forma significativa nos anos subseqüentes, conforme pode ser comprovado em um trecho de ata de uma das reuniões da Câmara Municipal:
“O vereador Santos Spinelli declara que, em várias oportunidades, teve ocasião de comentar o êxodo da população rural, que, nestes últimos anos, vem assumindo proporções catastróficas. Ainda hoje, diz, permanecendo durante duas horas apenas, à beira da estrada Teresópolis-Friburgo, pode verificar a passagem de 3 mudanças de lavradores, que vinham para a cidade; naturalmente, esse incremento do êxodo era consequência enganosa dos novos níveis do salário mínimo. Sente que o problema se agrava dia a dia (...)”1
As indústrias de transformação experimentavam um crescimento, passando a absorver mais e mais trabalhadores. Também ampliavam-se consideravelmente os setores ligados ao comércio de mercadorias e de imóveis e à prestação de serviços, além de aumentar o número de profissionais liberais.
Neste ínterim, o Legislativo municipal serviu de palco para a ascensão de novos políticos, como o Engenheiro Heródoto Bento de Mello no início dos anos 50, que se destacou por sua renhida luta pela aprovação dos projetos do Plano Diretor e do novo Código de Obras da Cidade, visando atender as necessidades urbanísticas e promover o progresso e a beleza da cidade.
E viu também a condução, em mandatos sucessivos ao Executivo municipal, dos médicos políticos, que, com suas ações caridosas junto à população pobre, recebiam o reconhecimento através do voto popular: Feliciano Costa, Amâncio Mário de Azevedo e Vanor Tassara Moreira. Do segundo é preciso falar mais, pois ocupou também a presidência da Câmara no período de 1947 a 1950. Amâncio teve uma vida política marcada pelas vitórias eleitorais sucessivas, sendo eleito prefeito por três ocasiões (em 1958, 1966 e 1974), deputado estadual e federal. Exerceu atividades que o mantinham estreitamente ligado às classes proletárias: era chefe do serviço de assistência médica dos operários têxteis, mantido pelo Sindicato dos Trabalhadores, e ocupava a presidência do Esperança Futebol Clube2. Como prefeito, seus governos foram marcados pela prioridade dada às obras realizadas nos bairros da periferia da cidade, onde concentravam-se as camadas mais pobres da população. Ficaria conhecido como o “prefeito dos calçamentos”, tendo transformado antigas ruas de chão de barro em artérias de paralelepípedos, além de promover o saneamento básico e o abastecimento d’água de vários logradouros. Morreu em 13 de
dezembro de 1979, em conseqüência da doença radiodermite, produzida pela exposição direta na pele do aparelho de raios X de seu consultório, responsável pela amputação de um dos braços.
A Câmara viveu também momentos de extrema tensão política, quando, por exemplo, deu-se o golpe militar em 1964. Em Nova Friburgo, a perseguição ideológica atingiu em cheio o prefeito eleito Vanor Tassara Moreira, cujas articulações com representantes do movimento sindical assustaram as elites locais. Vanor renunciou para o vice, Heródoto Bento de Mello, assumir. Na Câmara, o líder comunista e sindicalista Francisco de Assis Bravo foi sumariamente cassado por pressões do Sanatório Naval, configurando-se o único caso de cassação, por motivos ideológicos, de um vereador na história da cidade. Sua trajetória de líder operário, tantas vezes eleito presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil, tendo-se destacado no Legislativo por suas intervenções firmes e ponderadas e por ter aberto diversas frentes de luta, como a fiscalização aos preços dos alimentos e à qualidade do leite, além da tentativa de organizar o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, foi cruelmente interrompida por uma simples Resolução Legislativa1.
No entanto, passado o período sombrio da ditadura militar, o Legislativo municipal teve oportunidade de vivenciar momentos de afirmação democrática e de aposta na esperança, como em 1984, na Campanha pelas Eleições Diretas para Presidente, quando abriu suas portas para uma Vigília Cívica no dia da votação, no Congresso Nacional, da Emenda Dante de Oliveira. No ano de 1990, permitiu a participação de representantes da sociedade na elaboração de propostas para a Lei Orgânica Municipal, a nossa Constituição local.
Hoje, a Câmara Municipal de Nova Friburgo vem desenvolvendo um importante trabalho no intuito de buscar soluções para diversos problemas que afligem a nossa comunidade, através de Reuniões Específicas e Audiências Públicas com a participação de representantes das mais diversas áreas e setores do Município, cujas propostas e alternativas são apresentadas, a título de sugestão, às autoridades competentes nas diferentes esferas de poder em nosso País. Como exemplo, podemos citar os encontros realizados para discutir problemas ligados à Segurança, à Educação, Saúde, Transportes, assim como reuniões com categorias sociais em luta por seus direitos.
Notas:
1 - Funcionário do Quadro Permanente da Câmara Municipal de Nova Friburgo. Autor da dissertação de mestrado sobre a história política de Nova Friburgo intitulada “VISÕES DO PARAÍSO CAPITALISTA: Hegemonia e Poder Simbólico na Nova Friburgo da República”, defendida em agosto de 1997 junto ao Departamento de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense, Niterói. Os apontamentos do presente texto foram retirados com base naquela dissertação.
2 - Nascido a 24 de setembro de 1879, era filho de um proeminente homem político do município, Dr. Galdino Antonio do Valle, também médico, pertencente a uma família de fazendeiros em Sapucaia.
3 - Este conjunto de embates políticos e a compreensão de que o processo de urbanização e industrialização de Friburgo fez parte de toda uma luta mais ampla pela hegemonia do poder local foram muito bem trabalhados pelo Professor João Raimundo de Araújo, que, além disso, nos oferece um detalhado painel, com dados estatísticos e preciosa documentação, sobre a instalação das primeiras indústrias no município. ARAÚJO, João Raimundo de - Nova Friburgo: o Processo de Urbanização da Suíça Brasileira, Niterói, 1992, dissertação de mestrado - Universidade Federal Fluminense.
4 - Neste ano já havia se travado intensa batalha jurídica em torno da eleição para a câmara de vereadores, ganha pelo grupo de Galdino, o que lhe garantiria a continuidade à frente do poder político municipal. Nilo Peçanha interveio no processo e conseguiu, momentaneamente, mudar o resultado junto ao Tribunal de Apelação estadual, nomeando, então, um interventor. Mais adiante, Galdino conseguia reverter o quadro junto ao Supremo Tribunal Federal, ao que Nilo respondeu com a criação da Prefeitura de Nova Friburgo em 19 de agosto de 1916. FERREIRA, Marieta de Moraes (coord.) - A República na Velha Província, RJ, Rio Fundo, 1989, p. 211.
5 - Outro momento de importante conflito ocorreu em 1919, quando Galdino Filho conseguiu eleger a totalidade dos vereadores friburguenses, e, em represália, Sílvio Rangel entrou com recurso no Tribunal de Relação, conseguindo a anulação do resultado e mantendo o domínio do poder local, o que teria provocado inúmeros choques armados. Ibidem, p. 229.
6 - Ata da reunião da Câmara realizada em 14/07/54.
7 - O futebol, na época, em Friburgo, cumpria papel de destaque dentre as atividades de massa, contando com três clubes de expressão (Esperança, Friburgo e Fluminense), que disputavam os campeonatos estaduais sem fazer feio, fazendo com que os jornais acompanhassem paripassu a performance dos times, através dos cadernos esportivos. Esta situação representava um atrativo evidente para os políticos municipais, que buscavam integrar as diretorias dos clubes e promover os esportes na cidade. Prova do prestígio de Friburgo na arena esportiva foi o fato de o município vir a sediar a Seleção Brasileira nos preparativos para as Copas de 1954 e de 1962.
8 - Resolução Legislativa nº 86, de 14 de abril de 1964, da Câmara Municipal de Nova Friburgo.